O LIVRO QUE VIROU MÚSICA
Um livro pode ser extremamente inspirador e ir além da literatura. E foi isso o que aconteceu com a escritora e compositora Karina Limsi, que acaba de dar vida a uma canção e um vídeo inspirados em um dos textos do livro O vazio não está nem quando é silêncio – vozes femininas na literatura, que traz contos e crônicas de 21 escritoras bauruenses e será lançado dia 23 de setembro. A canção “O vazio não está”, composta por ela e o músico André Fernandes, nasce da leitura do conto de outra escritora, Renata Machado, que dá título à coletânea.
Karina, que participa do livro com o conto “Elucubração em torno da palavra baque”, conta que a canção começou a ser composta assim que teve contato com o texto de Renata Machado, de forma muito natural, pois ele a havia tocado de forma muito profunda. “Eu costumo iniciar uma canção pensando na temática, esboçando uma letra e a melodia, para depois, com a ajuda de meus parceiros, trabalhar na composição do arranjo, da harmonia. No caso dessa canção, em especial, tudo nasceu muito naturalmente, pensando nos vazios e silêncios que o texto traz e que são preenchidos por inúmeros significados e sentidos – para uma mulher madura é quando os filhos se vão, para as mais jovens é quando percebem que os pais envelhecerem, ou mesmo quando os amores não se completam, e a solidão entre outros tantos sentimentos suscitados por esse texto incrível”, explica Karina, que divide a autoria com o violonista e cantor André Fernandes – com quem compôs boa parte de suas canções nos últimos anos.
Nascida em Ilha Solteira, a 370 quilômetros de Bauru, conta que desde muito pequena teve contato com a música brasileira em casa e através do Festival Nacional de MPB de Ilha solteira, um dos mais tradicionais do país, com mais de 40 anos de história. “Toda minha família é de artistas. Minha mãe é artesã, meu pai é músico, minha irmã tem a arte em tudo o que faz e também canta, e sempre tive o grande desejo de participar desse festival tão importante que acontecia bem na minha cidade.”, conta Karina, que estudou percussão erudita, fez balé por vários anos e, mais tarde, veio cursar Psicologia, sendo hoje mestranda na UNESP em Bauru. “Nesse período – da faculdade – continuei escrevendo contos, poesias e algumas letras, já ensaiando minha vida como compositora”, completa.
Em 2014, tem a primeira canção inscrita em festivais, conquistando o prêmio de Melhor Letra no Festival de MPB Lollo Terra – de São Miguel Arcanjo/SP – e participando do Festival de MPB de Ilha Solteira, mas não como intérprete. Em 2015, Karina lança seu primeiro livro, Contos dos que plantam árvores, pela Editora Patuá, e começa a estreitar a relação com músicos de várias vertentes. Em 2017, participa do festival e recebe o prêmio de melhor música de Ilha Solteira e, finalmente, debuta como cantora.
No vídeo produzido para “O vazio não está”, além do violonista André Fernandes, Karina destaca também a participação de Denisar Carvalho, no baixo, e Rodrigo Santanna, na guitarra. “Denisar é meu parceiro de composição e parceiro na vida também, embora a parceria de composição tenha começado antes do namoro, que é fruto dessa intimidade e afinação que nós tínhamos.”, diz Karina. Hoje, os dois formam também Oiti Duo, que trabalha com música autoral e covers, com plano de gravação de singles para se apresentar em Bauru e voltar a ocupar os palcos da região, assim que possível. Rodrigo Santanna, por sua vez, é multinstrumentista e professor de música de Botucatu, hoje residente em Bauru, com quem Karina desenvolveu projetos artísticos em 2019 e planeja a gravação de um EP autoral em 2021.
Letra da música:
O vazio não está
(Karina Limsi e André Fernandes)
É quando os filhos se vão
Por entre voos e saltos
E quando os pais já estão
Em seus caminhos esparsos
Quando o amor vem com não
Ausência ou outra pauta
Ah... quem fica é também que falta
quem fica é também que falta
É quando vaza paixão
Na arte, corpo e na luta
E quando vejo num vão
O sonho, a cura, a escuta
Quando me olhar é perdão
E a solidão acompanha
Ah... eu sou quem perde e quem ganha
eu sou quem perde e quem ganha
E o vazio não está
Nem mesmo no que eu não penso
E o vazio não está
Nem mesmo quando é silêncio
Trecho do texto de Renata Machado
O vazio não está nem quando é silêncio
“Tem dois corpos na cama que não terminam nunca. Não se sabe onde começam, onde se acabam. O sono é curto. O dia chega. Os corpos ali abraçados, por ora quietos. Uma foto para Deus, da doçura dos homens, da ternura das carnes. Ele está calmo, sempre está. A tristeza do mundo vai pelos olhos que nasceram cansados. Vira pra mim, ele diz. Ela vira e a cabeça já se aninha. Isso a define. Procura a mão e o ombro, porque só no outro se acalma. São beijos, braços e pernas. Uma vontade eterna, mas de pouca pressa. De costas entre o céu cinzento e o corpo grande dele, me abraça, ela pede. É um compromisso, um abraço duradouro para dar conta dos dias de solidão que estão por vir. Ele oferece o calor, em sacrifício, para curar a tosse dela. Quando o corpo treme, ele segura a mulher antes da convulsão e diz deixa que eu cuido de você. Ele aprendeu bem cedo sobre o calor da cura e onde comprimir as mãos imensas para fazê-la tão calma a ponto de dormir. Entre a doçura e a aflição, a mão, a boca e o sexo, algo é perdoado. O vazio não está nem quando é silêncio.”